sábado, 27 de dezembro de 2008

Ciclo-reflexão

Grande parte das discussões e da mobilização em torno do ciclismo mostra-se vinculada às suas dimensões esportiva, de lazer ou urbana. Por isto quando não se está discutindo competições , o assunto são passeios, cicloturismo ou ciclovias com boas condições de utilização.
Pergunto-me, no entanto, se o universo do ciclismo se encerra dentro deste referencial na realidade até um pouco fechado em torno de valores que podem ser bastante individualistas.
Pergunto-me sem ter, na realidade, uma resposta para apresentar.
Fico, contudo, imaginando o papel que as bicicletas podem ter em comunidades pobres nas quais, além de elas estarem em condições normalmente bem precárias, são poucas e precisam ser compartilhadas por várias pessoas.
Enquanto passamos a achar normal em alguns estamentos de nossa sociedade as famílias terem mais de um automóvel, imagino que haja outros, em outros contextos, nos quais uma bicicleta atende a uma família inteira. Qual o valor que tem exatamente para estas pessoas a bicicleta?
Não sei responder, como posso ter resposta para algo que não estamos acostumados a viver, não estamos acostumados nem a pensar?
Mas, pelo menos isto, queria que pudéssemos alcançar, que os ciclistas se tornassem cidadãos-ciclistas e fizessem comigo esta ciclo-reflexão.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Don Quixote e os ciclistas

Na postagem anterior escrevo que "o ciclista surge neste ambiente inóspito como um tipo de figura quixotesca a duelar a cada esquina, a cada quadra com máquinas metálicas, velozes e mortíferas."
Tomando esta linha de pensamento quer me parecer que ela é mais procedente do que tinha pensado.
Don Quixote, acompanhado do fiel escudeiro Sancho Panza, tem um ideal e um objetivo mas se defronta, na busca de concretizá-los, com obstáculos difíceis de superar.
Quando enfrenta, pensando se tratarem de cavaleiros inimigos, os moinhos de vento, defronta-se, na realidade, com forças que superam sua pequena capacidade de luta.
Os ciclistas que entram dentro do trânsito e disputam seu espaço com veículos pesados, são como Don Quixote enfrentando os moinhos.
O resultado é bem conhecido. Os ferimentos, as fraturas ou até mesmo, o que não é incomum, a morte.
Trata-se de um confronto desigual e mortal.
Nem sempre o capacete, os equipamentos de segurança, o respeito a regras de trânsito, são garantia integral de sobrevivência. Muitas vezes estas proteções se pulverizam diante da brutalidade que é ser atropelado por veículos que podem ser centenas de vezes mais pesados.
Este é o momento em que, efetivamente, estamos na contramão pois a vida é uma via de mão única. Para superar esta condição de inferioridade só dispomos da nossa organização e da nossa união. Quando entramos na discussão das condições oferecidas para o ciclismo urbano, percebemos que temos dificuldade em manter o foco naquilo que é mais essencial e nas questões primordialmente mais estratégicas.
Como Don Quixote acreditamos que ações algumas das quais em parte ingênuas e isoladas possam modificar um quadro profundamente instalado em nossa sociedade e dentro do qual o automóvel é o soberano intocável. Temos que ir à busca de aliados, um dos quais temos de ter a clareza de nos dar conta, é o transporte coletivo. Poucas vezes vejo colocada esta associação mas ela é central num contexto em que o grande desafio é impedir que os carros particulares ocupem as ruas de forma cada vez mais avassaladora.
Para concluir estas observações, reitero que é o momento de caminharmos das formas quixotescas de tentar abalar o poder do qual os ciclistas estão excluídos, para outras mais estruturadas e, em especial, baseadas em estratégias mais coerentes com os embates que se colocam pela frente.