quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sonho de Natal

Difícil explicar o fascínio que uma bicicleta pode exercer no imaginário de uma criança.
No anúncio antigo a bicicleta faísca mais do que a árvore de Natal. E como se pode perceber faíscam também os olhos do menino que descobre seu presente.
Talvez o fascínio já não seja exatamente o mesmo de anos atrás.
O mundo mais simples que já se perde de vista, o da época do cartaz, não oferecia tantos atrativos ou tantas alternativas quanto o de hoje, da era da eletrônica e da informática. O próprio brilho dos olhos das crianças talvez já não seja também tão inocente, talvez já não tenha a mesma pureza, a mesma ingenuidade.
Nada disto, no entanto, impede que uma bicicleta ainda continue a ser um dos presentes mais desejados pelas crianças. O que ficou, isto sim, cada dia mais difícil de se ter são vias seguras para transitar.
Para vermos crianças pedalando com liberdade temos que ir aos parques e outras áreas de circulação restrita para automóveis. Quando a maioria das cidades ainda eram cidades pequenas e a vida se organizava em torno da vizinhança do quarteirão, a manhã seguinte à noite de Natal era o momento de exibir a bicicleta nova.
Mas desta lembrança não deve ficar apenas a nostalgia. Ao contrário devemos fazer dela a motivação para desejarmos o mesmo para nossos filhos, nossos netos, enfim para as gerações próximas.
Relembrar estes fatos não é ,assim, apenas uma questão de memória.
É um elemento de grande importância para fundamentar ações que busquem trazer de volta às cidades o encanto de viver nelas como a forma de tornar o sonho de cada criança algo possível.
Sonho, aliás, que nunca deixou de ser nosso próprio sonho, sonho do menino ou da menina que subsistem dentro de nós.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Pedalando no Fogo

Quem more, mesmo brasileiro, fora do Rio de Janeiro, precisa de um tempo para começar a entender cenas como as que, ao longo dos anos ( e são muitos), vem se incorporando ao cotidiano da cidade.
Cenas, abertamente, de guerra urbana e que, de imediato, nos causam um misto de horror, de indignação mas também, de um certo modo, de impotência e de conformismo.
Sentados em frente ao televisor trocamos de canal quando as noticias começam a repetir-se.
E entremeados com os horários das novelas, os programas de humor ( de baixa qualidade por sinal) e as transmissões diretas de futebol, administramos os momentos reservados a presenciarmos cenas de um Brasil que é parte de nossa herança e um retrato de nossa fisionomia.
Um Brasil que não estamos tão dispostos, como queremos dar a impressão, que mude, pois isto exigiria a nossa própria transformação.
Além disto, não longe dali, na zona sul deste mesmo Rio de Janeiro, cariocas de classe média-alta e turistas estrangeiros, sob a vigilância de seguranças e policiais atentos, pegam uma praia ou pedalam com elegância na pista ao longo da orla.
Aliás, na fuga cinematográfica dos traficantes morro acima na invasão pela polícia da Vila Cruzeiro, vi homens que corriam a pé, outros que passavam velozmente pilotando motos ou camionetas.
Só não vi, presenciando aquela cena de debandada desordenada, ninguém fugindo de bicicleta.
O que me faz concuir que traficantes, talvez até por viverem nos morros, não são grandes adeptos do ciclismo.

(foto s;autor, ag. Reuters)

sábado, 20 de novembro de 2010

Dúvidas de Quem Pedala

Não sei se pedalo para escrever ou se escrevo para pedalar.
Esta dúvida, às vezes, me deixa meio confuso.
Que interesse, me pergunto, podem ter no que escrevo aqueles, creio que a maioria, cujo foco é objetivamente pedalar?
Mas, ao mesmo tempo, que interesse podem ter aqueles que sequer sabem andar de bicicleta?
Curiosamente, no entanto, entre estes últimos estão alguns dos que se sentem bem à vontade neste pedalar metafísico em que todas as trilhas estão abertas ao sonho e à imaginação.
Trilhas que, distante do burburinho e da hostilidade das ruas, nos levam por sendas rodeadas de bosques e margeadas de flores.
Sendas nas quais o ar que se respira é puro e nos impulsionamos apenas com a força de nossas pernas tomados de uma insuperável juventude na direção do último raio de luz do crespúsculo.
E ao chegarmos próximos, o mais próximos que podemos, com a sensação de que temos uma espécie de poder sobre nossas limitações, finalmente descemos da bicicleta e nos deitamos a cochilar ali mesmo, ao relento, espichados sobre a relva, à espera de que alguma coisa sobrenatural possa acontecer.
A menos que por algum motivo nos acordem, porque nosso sono será leve, talvez para pedir nosso auxílio para socorrer alguém que está em risco. Ou até, porque não conseguiremos nos afastar suficientemente dos perigos da cidade, para nos assaltar e nos roubar a bicicleta.
- A bicicleta ou a vida! talvez ainda nos ameacem.
Ao que, de pronto, sem hesitação, protegendo a bicicleta com nosso corpo, ofereceremos a vida.
(foto Anne Seltmann - Germany)

versão em francês >> Des Doutes de qui Pédale
versão em inglês >> Doubts of One Who Pedals


sábado, 23 de outubro de 2010

Bicicletas de Rua

Não são apenas os seres humanos ou os animais que podem ter condições precárias de existência.
As bicicletas, como instrumentos de trabalho e de transporte de pessoas humildes, podem refletir, pelo seu estado, suas vidas de pobreza.
Volta e meia nos deparamos com algumas delas, às vezes meio jogadas a um canto como se abandonadas.
Bicicletas de rua poderíamos até denominá-las.
Raras vezes, no entanto, chegam a chamar nossa atenção.
Normalmente passamos rapidamente por elas, pedalando em nossas reluzentes bicicletas caras, velozes, vestidos com impecável indumentária ciclística , e seguimos adiante, às vezes em bandos alegres e sorridentes, quase sempre a passeio.
Como haveríamos de prestar atenção em veículos tão apagados, quase miseráveis que cruzam nosso caminho?
Assim não nos detemos, seguimos adiante.
De volta em casa, tomamos nosso banho quente e, de imediato , pois em vez de nos sentirmos cansados ao contrário temos o ânimo redobrado, saímos para nos reunir com amigos num bar.
Nossas bicicletas, se não chegamos a levá-las conosco, ficam bem guardadas em nossas casas confortáveis.
Afinal, as bicicletas não podem abdicar do mundo a que pertencem, o mundo dos homens. E ao contrário deles, que ainda tem esta possibilidade, tampouco podem, como máquinas que são, se organizarem para mudar sua condição.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Subindo a Ladeira

Preciso explicar o contexto da foto.
Estou em Florianópolis, no bairro Pantanal, esperando na parada o ônibus para voltar para o centro. É quando percebo, aproximando-se lentamente, o ciclista.
Por alguma razão sua figura me chama a atenção. Emprega uma bicicleta de marchas que, se não aparentasse tão desgastada, poderia até se dizer muito boa.
Ele, por sua vez, completa esta impressão de abandono pois parece muito cansado além de vestir uma roupa surrada.
Como no bagageiro carrega um ancinho e mais alguma ferramenta de trabalho sou levado a supor que trabalha em limpeza de jardins ou algo assim.
O curioso, no entanto, é que apesar desta aparência geral de abandono, ele guarda uma espécie de dignidade que ainda consegue sobressair-se.
Aparenta ter cinquenta anos, talvez mais.
Passa por mim bem devagar, como se estivesse cansado.
Ao ver a cena meu impulso é de fotografá-la.
Ele logo, no entanto, dobra a esquina pouco adiante da parada e começa a subir a ladeira que inicia a seguir. Ainda pedala uns metros mas , pouco adiante, desce da bicicleta.
Tiro a máquina da mochila onde a carrego e corro para me posicionar. Tenho que ir para o meio da rua onde alguns carros atravessam mas ainda consigo tirar a foto.
Teria que pensar melhor para entender o que tanto me atraiu na cena.
Pode ter a ver com o anonimato do ciclista, com sua condição desfavorecida, com a fragilidade de suas forças físicas e a precariedade da bicicleta para enfrentar o obstáculo da ladeira, enfim, são muitas as coisas que me vem à mente.
Coisas que também me fazem pensar por um instante na insignificância de nossas existências que procuramos conduzir dentro de nossos limites, muitas vezes pedalando, como no caso, uma bicicleta.
Ou. quando o obstáculo é maior do que nossas forças, levando-a pela mão até chegarmos ao destino.

domingo, 12 de setembro de 2010

Julia Roberts de Bicicleta

Julia Roberts em seu mais recente filme faz um comentário sobre Buenos Aires, publicado no jornal La Nación, que reproduzo.

En una de las escenas fundamentales de Comer, rezar, amar, Elizabeth (Roberts) necesita irse de Nueva York, cambiar de aire y por eso recurre a un baúl dónde atesora imágenes de los lugares en el mundo que más desea conocer. La primera foto que aparece en pantalla cuando se abre ese arcón de la fantasía viajera es una de Buenos Aires.

"Fue mi decisión que se viera esa imagen de Buenos Aires primero. No está en el libro. Me encanta la ciudad y fue de lo más extraño, porque cuando tuve que decidir qué es lo primero que ve Elizabeth cuando abre esa caja me vino la idea de Buenos Aires", explica Ryan Murphy, responsable del guión y de la dirección del film.

"Es un lugar tan apasionado, tan bello y exótico para un norteamericano que me imaginé que el personaje podría haberlo visitado en sus viajes para las revistas para las que trabajaba. Y funciona en el contexto de la historia y los cambios que la protagonista quiere hacer porque se trata de una ciudad completamente diferente de su Connecticut natal. Además, también es una especie de guiño para Javier Bardem, que ama esa ciudad" ,


Mas o que isto ou Julia Roberts tem a ver com bicicleta? Por enquanto, como ainda não vi o filme, só a foto...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Bicicleta de Enrique

Preparando uma matéria para a revista náutica Velejar, chego a Buenos Aires e vou direto ao encontro do navegador Enrique Celesia para entrevistá-lo.
É uma tarde fria e chuvosa de agosto e durante umas duas horas procuro conhecer melhor suas idéias e seus planos de ser o primeiro argentino a fazer a volta ao mundo em solitário e sem escalas ao longo do paralelo 40, ou seja, na altura dos icebergs que se desprendem da Antártida.
E é entre suas considerações sobre vários assuntos entre os quais confessa sua grande admiração por Vito Dumas, que descubro seu apêgo ao ciclismo.
Afirma-me ser seu veículo particular de transporte terrestre. Por água, é claro, dispõe do barco que vem construíndo há 10 anos com o fim de executar seu projeto. A bicicleta fica no convés amarrada ao mastro.
Só creio que em sua viagem, como não terá escalas, não deverá levá-la.
Mas até lá ela permanece bem próxima como uma companheira que o ajuda a levar adiante o seu sonho.
Ao voltar para o centro da cidade Enrique me acompanha pois tinha uma reunião.
Dentro do trem que tomamos em San Isidro vêm alguns ciclistas com suas bicicletas. Ao chegarmos à imponente estação Retiro descemos todos juntos mas os ciclistas vão se misturando à multidão que se encaminha para a saída. Eu e Enrique passamos pelo Hotel Sheraton que na década de 70, antes do golpe militar, os movimentos populares idealizavam transformar num hospital para crianças.
"Qué lindo, que lindo, qué lindo que va a ser, el Hospital de Niños en el Shératon Hotel..." , confessa-me que cantavam nas manifestações políticas .
Atravessando o imenso espaço aberto das avenidas circundado por um impressionante conjunto de edíficios dentre os quais se destaca, pelo seu porte e impressão de solidez o Edificio Kavanah, seguimos caminhando pela calle Reconquista até o hotel , na esquina com Tucumán, onde nos despedimos.
Os ciclistas não sei que destino teriam tomado.
Espalharam-se por Buenos Aires desaparecendo incógnitos dentro da noite.
( foto Giacomo Orlando)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Coisas do Coração

Os ciclistas que mais admiro não são os que pedalam muitos quilômetros por dia, quilometragem que, no fim do mês, alcança valores astronômicos.
Por estes eu não tenho exatamente admiração, tenho respeito , um respeito, aliás, muito grande.
Não, meus ciclistas heróis são os que não têm carro por opção ou, ato supremo de heroísmo e amor aos seus princípios, venderam-no ou, para marcar ainda mais esta separação, deixaram-no abandonado em algum canto.
A estes eu tenho na conta de iniciados no longo caminho do sacerdócio do pedal.
Deveríamos talvez seguir o seu exemplo, tentando aprender seus ensinamentos e reunir forças para dar este passo essencial, o passo da libertação.
Confesso que até já tentei. Há algum tempo criei coragem e anunciei no jornal a venda de meu carro. Um Fusca 68, meu primeiro carro. Este Fusca ainda pertenceu ao meu pai e pensava em deixá-lo para meu filho.
Em meu desejo de purificação, no entanto, concluí que não podia me apegar a este sentimentalismo. Em nome da nova ordem que devia ser estabelecida e da nova vida que iniciaria, me desfazer deste carro era obrigatório.
Alguma coisa dentro de mim, no entanto, reagiu.
Passei a me sentir um traidor da confiança que durante todos estes anos eu depositara no Fusca e ele depositara em mim. Meu Deus, quantas coisas tínhamos vivido juntos, como poderia abandoná-lo em nome da fé ciclística? Decidi, então, temeroso de que aparecesse algum comprador, deixar de atender o telefone durante uma semana. Isto não impediu, contudo, que depois deste tempo surgisse um interessado.
- É aí que estão vendendo um fusca?
- Não, deve ser engano.
- Que número é aí?
Tive que mentir e dar um outro número.
Como o telefone voltou a tocar, passei mais uma semana sem atender.
Com o tempo voltei a empregá-lo mas nem por isto deixei de ficar com a sensação de que , a qualquer momento, talvez até no meio da noite, alguém poderia ligar:
- É aí que estão vendendo um fusca?
Depois disto decidi conviver com minhas bicicletas e meus carros. Carros, sim, porque acabei comprando outros. Todos antigos porque não procuro neles nada que não seja aquilo que uma bicicleta não pode me proporcionar. Diria, assim, que isto hoje é uma questão resolvida e não me sinto em nenhum momento culpado por não estar sempre encima de uma bicicleta. Talvez por isto, até, sinta tanto prazer quanto subo numa.
(foto Gustavo)

sábado, 19 de junho de 2010

"Bicicletería"

Estou de volta a Buenos Aires mas agora já não fisicamente.
Meu reencontro é a pedalar pelas ciclovias do terreno límitrofe da realidade.
Sucede que Buenos Aires definitivamente é um exercicio de memória.
E de imaginação.
Mas também de esquecimento, de vida e de morte.
Sua obsessão em reviver o passado e resistir ao desaparecimento é um permanente desafio ao presente.
Mergulha-se em Buenos Aires como num mundo abissal. Deste mergulho a dúvida não é apenas se dele se sai vivo, mas se estamos vivos ao nos lançarmos ao empreendimento.
Mas mesmo Buenos Aires, apegada a esta obsessão e disposição de ser intemporal, não pode impedir que a sua face sofra o desgaste do tempo ou da ação selvagem do homem e, aqui e ali, apresente transformações.
Saio, então, a caminhar pela cidade e, como um explorador, vou me deparando com estes eventos.
Uma destas incursões já a tinha planejado de antemão.
Cedo pela manhã dirijo-me à Bicicleteria. A imagem que tenho dela na foto acima de Alexander Jung, é surpreendente. Na realidade uma autêntica criação artística que lembra uma tela, uma pintura digna de manter-se ali, conservada, intacta, como numa galeria ao ar livre.
Mas o que encontro é já a sua fisionomia alterada, coberta por anúncios. Salva-se deste vandalismo comercial, da forma original, o nome estampado na parte superior.



Diante desta cena recosto-me à parede do prédio do lado oposto da rua e deixo-me ficar ali recuperando o fôlego, atônito pela descaracterização da fachada, para tirar as fotos acima. Ainda investigo um pouco em volta e fico sabendo, do encarregado de uma banca de revista próxima, que a Bicicleteria teria fechado recentemente, questão de poucos meses.
Sem nada mais a fazer afasto-me pelas ruas antigas de San Telmo, temeroso de perder-me em seus traçados sombrios e talvez, como nos terríveis dias da ditadura militar, de desaparecer para sempre sem deixar rastro.

.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ciclista em São Paulo

Animado pela informação de amigos ciclistas de São Paulo de que é possível pedalar sem sobressaltos na cidade, procurei encontrar um ciclista nesta foto de um congestionamento normal de perto de 150 quilômetros.
Confesso que não estava achando até que, com o auxílio de uma lupa, pude divisar um ponto passível de ser identificado como sendo um ciclista.
Dá a impressão de que está de capacete, com colete reflexivo e, além disto, está na mesma mão dos carros, não está contramão. Um pequenino reflexo pode significar que está, também, com espelho retrovisor.Ou seja, um ciclista exemplar.
Se quiserem localizá-lo devem procurar na pista da direita, na segunda fila de carros, comprimido entre dois ônibus. O espaço é muito estreito mas o ciclista parece estar conseguindo avançar.
Poderia esperar para acompanhar o congestionamento mas, por não ser um ciclista inteiramente exemplar, procura esgueirar-se entre os veículos.
Bem, depois disto não sei o que ocorreu.
Ouvi dizer que foi a última vez que foi visto.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

"Porteña"


Descubro em Buenos Aires, a par de seus inumeráveis encantos,uma indubitável vocação e declarado amor pelas bicicletas.
Em meio ao seu trânsito intenso, pelas ruas estreitas ou pelas largas avenidas, vejo os ciclistas passarem, audazes, velozes, desafiando o tempo e desafiando até a morte.
São os entregadores de jornais, de pães, de carnes, de encomendas, enfim, de tudo que tenha que chegar rápido ao seu destino no centro da cidade.
As bicicletas dos entregadores de pães são as que mais se destacam.
Carregam à frente, diante de guidão, um enorme cesto que mais parece a gôndola de um balão.
Ver estes ciclistas todos ziguezagueando pela cidade é como uma ode ao perigo, à audácia, à ousadia, mas também um convite à poesia e a uma espécie de dança feita de volteios, de passos e guinadas inesperadas como no tango.
Ando assim a admirar suas peripécias quando me surge bem na minha frente, em meio de uma ensolarada tarde de domingo, junto a Puerto Madero, esta encantadora ciclista porteña.
Meu encanto e minha admiração se transformam , então, em flerte.
Flerte com a juventude e a beleza feminina.
Flerte com Buenos Aires.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Daniel Flores

Não sei quem é Daniel Flores até o momento em que, passando rapidamente pela feira de antiguidades de San Telmo, encontro num canto a exposição de suas fotos. Não se pode dizer que é o melhor lugar para expor fotografias. Como ainda é cedo ( em torno de 10 horas) ele não devia ter chegado há muito e as ia tirando de uma espécie de sacola e pendurando num mural. Mas embora a forma inadequada de serem expostas ( seria bem melhor se estivesse numa galeria) o que não contribui para a sua valorização, não posso deixar de notar que seu trabalho é dotado de talento e de uma espécie de busca que só poderia precisar melhor se tivesse condições de o conhecer mais detidamente.
Entre as várias fotos de tango e de Buenos Aires, seus temas, uma me chama particularmente a atenção, por ter uma bicicleta como objeto central. Compro-a por 30pesos
Não sei a data da foto, é um dado que poderia ajudar a situar a cena. De qualquer modo, não creio que seja antiga mas este é exatamente o clima que se sente. Lembra a atmosfera de um filme francês da década de cinquenta. Aliás, Buenos Aires tem esta virtude tão cara para os melancólicos e nostálgicos. Viaja-se no tempo embalado pelo som de algum tango que sempre toca vindo de algum lugar.
(Nota: esta crônica foi escrita numa viagem anterior a Buenos Aires, mas a reproduzo , me encontrando neste momento novamente na cidade, para retomar o tema )

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pedalar no Outono

Nenhuma bicicleta ao alcance da vista, aliás sequer um simples transeunte ...
No entanto a rua parece esperar que, como uma aparição, um ciclista se aproxime e passe pedalando.
Pedalando no outono, na tranquilidade de disfrutar deste espaço de paz antes que tenha chegado o fim do primeiro mês da estação.
Mas nenhuma bicicleta passa por aqui, é como se os ciclistas ignorassem a existência desta rua. Ou talvez não queiram perturbar com sua presença esta atmosfera quase cerimonial de calma e de silêncio.
Ciclistas tímidos demais que não percebem que a rua está ali justamente à espera deles.
Ciclistas ousai, dai-vos conta de que a rua é vossa, ela vos espera como um enviado prometido.
Ciclistas não percais tempo, vinde pedalar que o outono é breve e longo o inverno !

domingo, 21 de março de 2010

O Dia em que Pedalei em Los Angeles

Los Angeles costuma ser apontada como a cidade com maior concentração de carros no mundo. Pois bem, por um acaso, tornei-me ciclista em LA.
Hospedado na casa de um amigo no bairro Torrance decidi, uma tarde em que me encontrava sózinho, pegar sua bicicleta e tentar ir a Redondo Beach, uma praia distante alguns quilômetros.
Na realidade não tinha uma idéia muito clara como seria o trajeto nem mesmo se seria possível completá-lo.
No entanto, um pouco para minha surpresa, verifiquei que combinando trechos onde havia uma ciclofaixa paralelamente à pista dos carros com outros em que a ciclofaixa avançava por cima das calçadas , podia-se avançar de forma relativamente segura. Neste dia aprendi que, dada sua versatilidade e com um pouco de boa vontade, é possível encontrar várias alternativas de trajetos para a bicicleta se deslocar dentro das cidades que não coincidem, necessariamente, com aqueles fixados para os automóveis.
Assim, ao fim de um tempo, encontrava-me em Redondo Beach.
É um lugar em Los Angeles que me agradou muito.
Um dos pontos mais destacados é o pier, uma estrutura bem considerável que avança sobre o mar e abriga um comércio bastante movimentado.
A um lado do pier uma marina. Muitos barcos e sobrevoando por tudo bandos de gaivotas e até alguns albatrozes. O albatroz é um pássaro admirável. Devido ao seu porte tem alguma dificuldade de levantar vôo, como se fôsse um grande avião cargueiro, mas sempre dá um jeito, quando se chega a ter até a impressão de que não vai conseguir.
Não lembro também se encontrei outros ciclistas pelo caminho, creio que não.
A presença de ciclistas é mais evidente em outros pontos especialmente , pela minha observação, em Santa Monica e Venice Beach. Em Venice Beach há uma espetacular ciclovia, principalmente pela localização, que atravessa a praia e por onde circulam também muitos praticantes do patim on-line.
Depois de ficar uma parte da tarde em Redondo Beach tenho que retornar. Mas por algum descuido me perco da rota de ida e acabo desembocando numa avenida na qual o fluxo de carros é intensíssimo e sem nenhum espaço para pedalar.
Retorno e acabo voltando por um terceiro caminho. Num dado momento tenho que tomar informações mas, ao final da tarde, estou de volta ao apartamento.
Isto já faz um bom tempo.
Depois nunca mais voltei a Los Angeles nem tive notícias da bicicleta.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Bicicleta como Companhia

Manhã de domingo na praia do Cassino em Rio Grande. Como a foto permite observar, pouco movimento, poucas pessoas na rua. Um bom momento, assim, para a pessoa sentada no banco (uma mulher) ficar aproveitando a calma reinante, bem diferente da agitação do carnaval de rua durante a noite poucas horas antes.
Por única companhia, ao seu lado, a bicicleta.
Eu passo procurando não perturbar este momento mas é tal o enlevo que ele transmite que dou um jeito, bem furtivamente, de tirar uma foto.
E sigo adiante, tentando entender que união é esta que faz um ser humano e uma máquina ficarem tão próximos, embevecidos pelo silêncio e pela tranquilidade.
Na realidade quase uma espécie de par perfeito a exemplo do que, noutros tempos, verificava-se entre cavaleiro e montaria.
A bicicleta, contudo, é um tipo de montaria moderna, mecânica, à qual nos unimos, ao pedalar, em comunhão perfeita.
Cada dia que passa, aliás, mais me indago como viveríamos sem ela. Ou melhor, como podemos na sociedade urbana tratá-la, embora as exceções, de forma tão indiferente, de quase descaso ou menosprezo mesmo.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

La Uruguaya

Há nela um encanto e uma beleza que a distingue do que temos, no Brasil, nos acostumados a ver e a exaltar como beldades.
Não mostra a exuberância tão louvada por nós nem, tampouco, nenhum lado selvagem, sensual.
Mas tem, isto sim, um charme que transparece de sua simplicidade que me faz parar diante dela e , pelo breve instante de uma fotografia, querer eternizá-la, querer fixar para sempre suas formas clássicas, suaves, profundamente femininas.
E a encontro logo ali, do outro lado da fronteira em Rio Branco, no Uruguai.
Caracteriza bem um aspecto do modo de vida uruguaio que tem um certo acento europeu, de discrição, de simplicidade.
E também da economia, da praticidade.
Só lamento não ter tempo para esperar a dona da bicicleta e vê-la sair a pedalar pelas ruas de Rio Branco.
Lamento mas me consolo. Qualquer outra visão que não fosse a de uma linda jovem uruguaia, morena, de cabelos escuros e longos, usando uma saia que não sobe dos joelhos, poderia ser uma grande decepção.
Por isto me afasto, atravesso de volta a fronteira, imaginando como ela seria, se além destas características físicas que imaginei não teria também outros dotes. Talvez tocasse algum instrumento ou se dedicasse ao canto. Ou estudasse teatro, astronomia. Não sei porque a imagino uma artista, uma pintora talvez, mas poderia ser uma estudiosa dos astros ou da botânica . Pelo menos isto é o que a bicicleta me inspira e prefiro ficar acreditando que se trata exatamente o que acontece.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Lembrança de Florença

O ciclismo de competição não tem sido um tema abordado em Ciclistas Anônimos que tem outro foco.
No entanto, nem por isto deixo de me render à emoção e à estética das provas de rua e de estrada. E, ao ler que o calendário internacional deste ano acaba de ser inaugurado com a prova “ Cancer Council Helpline Classic” realizada na Austrália, tive uma lembrança de Florença.
A notícia da prova australiana surge, vale registrar, tendo como principal motivo a presença do americano Lance Armstrong agora correndo por uma nova equipe, Radioshack.
Mas a disputa acaba ficando por conta do duelo entre as equipes Colombia de André Greipel e o novo Team Sky que ocuparam as primeiras posições.
Armstrong, a atração, ficou apenas num modesto 62º lugar mas sem se inquietar. Segundo declara ao jornal francês que o entrevista, "c'était une bonne reprise. (...) Je me sentais mieux aujourd'hui qu'il y a un an. Il y a un an, j'étais comme une poule chevauchant un couteau. (...) Je veux être à un niveau supérieur plus longtemps. Je veux avoir la condition au printemps et au début de l'été pour obtenir une victoire quelque part avant le départ du Tour de France".
Ah, ia me esquecendo, a lembrança de Florença a qual me refiro acima, é de uma prova de rua, noturna, que por acaso presenciei e me deixou uma lembrança inesquecível. Num dado momento quando os competidores faziam uma curva apertada do circuito, repleto de público nas calçadas, uma mulher surge, inesperadamente, atravessando a rua. Um competidor que vinha bem próximo quase a atropela. A reação da multidão, italianos apaixonados por ciclismo, é imediata e indignada.
“Putana, putana” gritam furiosos.
Naquela mesma noite peguei um trem para Annecy na França mas, até hoje, passados muitos anos, pareço ouvir, bem alto, em meio ao cenário de tanta riqueza histórica, artística e arquitetônica quanto o de Florença, aqueles palavrões ecoando dentro da noite.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ciclista Francês

Outro dia deparei-me com a notícia de que um turista francês foi barrado no acesso à Ponte Rio-Niterói quando ia tentar a travessia de bicicleta.
Aos guardas que o detiveram ele explicou que era apenas um turista que queria conhecer Niterói sem saber que era proibido trafegar de bicicleta na ponte.
Ou seja não era terrorista nem manifestante fazendo protesto.
E como era francês e não um habitante do Rio e, muito menos, do subúrbio, os funcionários da ponte o teriam levado numa pickup para Niterói com sua bicicleta no bagageiro para conhecer a cidade do outro lado da Baía de Guanabara.
A notícia não diz como ele voltou, se talvez de novo de carona ou pelas barcas porque nelas tenho a impressão que seja possível o transporte de bicicletas.
Do contrário não haveria possibilidade de um ciclista atravessar de um lado a outro a baía.
Não sei se tem muita relação mas o fato lembrou-me a ocasião em que, atravessando a pé a ponte do Brooklyn , quase fui atropelado por um ciclista.
A tradicional ponte, muito mais antiga do que a Rio-Niterói , já previa em seu projeto circulação para ciclistas e pedestres que se situa acima da pista de carros.
Mas há, é bem verdade, diferenças que é preciso considerar.
A ponte do Brooklyn tem uma extensão de 1834 metros enquanto a Rio-Niterói de 13,29 quilometros.
Fico assim na dúvida da viabilização, em algum momento, da ponte Rio-Niterói para bicicletas, até, hoje, pelo próprio esgotamento de sua capacidade de escoamento do fluxo de automóveis. A foto (de Luiz Alvarenga) dá bem uma idéia disto.
Enfim, de lamentar que o ciclista francês não tenha completado a travessia.
Assim poderíamos ter , pelo menos, o relato de uma experiencia que , ao que parece, é inédita.