segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

No Brique da Redenção

Alguém , que se identifica como Ivan, publica esta foto no flickr.
Faz parte de um conjunto de boas fotos de vários lugares.
A foto, tirada junto à área do brique da Redençao em Porto Alegre,tem como legenda "Minha companheira!".
Este local me traz recordações.
A bicicleta e o carinho com que é mencionada me toca e me faz querer estar lá novamente , de preferência num dia de outono a perambular meio sem compromisso pelas alamedas da Redenção e pelas ruas de Porto Alegre.
Talvez até, como num conto, encontrasse esta bicicleta presa ao poste como se o tempo tivesse , através da fotografia, se congelado até minha chegada. A primeira vez que viajar a Porto Alegre vou lá confirmar.

foto:http://www.flickr.com/photos/ivanbustamante

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pyongyang


Nunca sei o que irá me despertar a inspiração de escrever.
Uma cena, uma notícia, uma imagem…
Contanto que a bicicleta ou ciclistas estejam presentes, dreta ou indiretamente, algo irá dar o sinal como um disparador, um starter  e, em resposta, nascerá o texto .
Há situações, no entanto, em que fico dividido entre escrever ou me deixar ficar apenas como observador.
Diria que é o caso desta cena.
O que dizer que pudesse representar um acréscimo ao que ela já nos proporciona?
A cena é completa, plena.
O detalhe de estar ocorrendo na Coréia da Norte também pouco parece acrescentar.
Tampouco parece importante distinguir se os ciclistas são um casal como, não sei exatamente a razão, sinto-me inclinado a pensar. A legenda esclarece este ponto e adianta se tratar de homens ao fim de um dia de trabalho e talvez apenas este detalhe que não estão a passeio possa trazer um elemento diferente, capaz de acrescentar algo à plenitude da imagem.
Mas só.
Vê-se que conversam… em coreano, mas quase podemos entender o que dizem… há uma linguagem universal entre os homens que independe de língua, de país.
Em toda parte temos nossa atenção voltada para as mesmas coisas, o que nos separa nåo é a nossa natureza, esta é semelhante, mas circunstâncias que nos levam a termos crenças diferentes.
Neste momento contudo estas crenças parecem não se interpor entre nós e os ciclistas de forma que por uma mágica empatia nos sentimos pedalando junto com eles ao cair do dia como se tivéssemos o mesmo destino comum,a mesma sorte e os mesmo medos e expectativas diante do grande mistério da vida.
Por um momento estou na distante Pyongyang e sou coreano...

( Photo/ David Guttenfelder)


sábado, 1 de outubro de 2011

As Cinzas de Puyehue

Enquanto pedalo meus pensamentos oscilam entre lembranças algumas bem antigas, até da infância, e planos futuros.
Às vezes pedalo sem um objetivo ou um destino específico. Pedalo como que por pedalar, como uma forma de ocupando o corpo com uma atividade determinada, libertar o espírito para outras incursões.
Ultimamente tem me chamado a atenção as notícias de catástrofes. Distingo as naturais, algumas inevitáveis, de outras nas quais a intervenção humana tem influência em suas causas. Mas há também momentos em que os dois tipos se encontram num cenário de apocalipse. Vivemos um período em que de forma sucessiva estas catástrofes apresentam-se a nossos olhos como o anúncio de experiências terríveis .
Sigo pedalando, o trecho que percorro me leva em direção à praia e posso ir adiante com segurança utilizando uma faixa que segue ao lado da pista.
Ocorre-me que as catástrofes naturais impõem-nos um cenário que não é mais terrível do que aquele provocado por nós mesmos.
Se a cena de toda uma região coberta pelas cinzas do vulcão Puyehue nos estarrece, ela não é mais dramática, pelo contrário torna-se até branda, diante do quadro de miséria e destruição provocada pelo homem.
As maiores catástrofes não são , portanto, as naturais mas as que tem sua origem na ambição, na exploração que o mundo moderno segue praticando .
Ou então na sua ignorância, nas suas crenças e superstições irracionais . As guerras, os conflitos territoriais ou religiosos, a fome, costumam apresentar-se como consequências imediatas
Manuel Antuña, jovem habitante de Villa La Angostura, uma das povoações mais afetadas pelo vulcão Puyehue, dá seu depoimento declarando que  "al principio, uno sentía desesperación por no saber qué estaba pasando. El primer fin de semana, un vecino salió con un megáfono a decir que se venía el fin del mundo y comenzó a circular el rumor de que estaba por ocurrir un gran terremoto. Muchos abandonaron la ciudad y otros durmieron en los autos". Este testemunho me faz pensar que os automóveis, em um momento de extrema destruição, poderiam ter pelo menos esta utilidade, servirem de refúgio e abrigo.
Neste momento dou-me conta de que já estou na praia.
Ainda é cedo e ela se encontra vazia. Um ou outro transeunte e os permanentes cachorros. Infelizmente nada se tem feito para resolver esta situação. Cachorros abandonados também me passam uma sensação de abandono, de terra devastada..
Afora isto, no entanto, a cena em nada lembra uma catástrofe..
Deixo-me, portanto, por alguns instantes , ficar a olhar a paisagem que me leva para um mundo em que a paz pode se refugiar.
Mesmo me sentindo um pouco culpado por poder me proteger desta forma, deixo o sol bater em minha face e tenho a deliciosa sensação de que a vida pode ser boa.
Especialmente se neste momento tenho a companhia , acomodada de meu lado, de minha bicicleta.
(foto AFP)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Interlúdio


Em minhas andanças deparo-me com esta belíssima senda em Jurerê , Florianópolis, e já me preparo , como num sonho, para atravessá-la de bicicleta, apreciando o corredor verde ladeado de vegetação em ambos os lados.
No final deste corredor a praia nos aguarda.
Mas o sonho não dura muito.
Basta aproximar-me para constatar que ciclistas, incluídos na mesma categoria que skatistas e motociclistas, estão barrados.
Não me deixo, no entanto, desanimar.
Desço da bicicleta e atravessamos os dois, eu e minha bicicleta, lado a lado, como se de mãos dadas, a pequena vereda que nos leva ao mar .
O encanto, assim, nem chega a ser desfeito.


sábado, 2 de julho de 2011

O Juizo Final


Há quem vislumbre nas grandes catástrofes sinais inequívocos da vontade divina.
Quase sempre, quando são catástrofes que penalizam pesadamente, em vidas e bens materiais, populações inteiras, sinais interpretados como de punição.
Se assim fôr cabe-nos erguer as mãos em oração e pedir perdão por nossos pecados.
Mas a maior de todas as catástrofes ainda está por vir. O verdadeiro dia do Juízo Final pode estar chegando.
A Terra será invadida por automóveis, tantos e em tal número que em seguida deixarão entupidas todas as saídas possíveis. Surgirão como uma praga de proporções dantescas. E a humanidade, sem ter como se deslocar e sem qualquer meio de transporte possivel pois até os aeroportos e portos serão totalmente tomados de carros, sucumbirá à falta de suprimentos, de comunicação e de socorro.
Apenas sobreviverão, como nas grandes hecatombes, os ratos e as baratas. Mas desta vez talvez também um punhado de ciclistas que puderem, esgueirando-se por entre os escombros e os automóveis amontoados, encontrar um trilha para a salvação.
O mundo, a partir deste dia, estaria livre dos carros para sempre.
Deles apenas restaria uma montanha de ferragens corroídas até o seu desaparecimento completo,
Enquanto pedalo e me esquivo dos automóveis , que passam em alta velocidade bem junto ao meu corpo, não mais do que meio metro,  me pergunto se estas elocubrações que me vêm à cabeça são resultado de um sonho ou se estou tendo uma alucinação.
Mas me animo e até pedalo com mais energia diante da perspectiva de que se trate de algo real e de que sua plena realização possa estar mais próxima.
Redobro minhas forças reanimado por ter o segredo, só a mim revelado, de que o reinado destas máquinas, que ao passar ao meu lado ameaçam, no vácuo, me arrancar do selim, está chegando ao fim. 

domingo, 20 de março de 2011

Tsuna Kimura: Pedalando entre Escombros

As calamidades provocadas por fenômenos naturais são parte inseparável da existência humana. Os registros destas calamidades sejam elas principalmente terremotos, erupções vulcânicas, ciclones e enchentes, constituem uma longa lista ao longo da história com perdas descomunais em vidas e bens materiais. O quem tem mudado são de um lado um conhecimento maior de suas causas e o desenvolvimento de melhores condições de prevê-las e enfrentá-las e, de outro, a capacidade que os meios de comunicações estabeleceram de acompanharmos estes fatos praticamente ao vivo, sentados em frente ao televisor.
Tornamo-nos, assim, espectadores privilegiados e, em alguns momentos -- tão vívidas são as imagens e as informações que nos chegam -- quase protagonistas destas tragédias.
Os recentes terremoto e subsequente tsunami no Japão são exemplos disto.
De um momento para o outro passo a saber da existencia, por exemplo, de Tsuna Kimura, uma japonesa de 83 anos, que escapou do tsunami em uma bicicleta.
A idosa, que passou a vida trabalhando em fazendas de arroz, relatou que assim que ouviu o alarme de tsunami subiu em sua bicicleta e saiu pedalando, sozinha, sem ter idéia para onde ir.
Ela disse que estava em casa quando o alarme soou e que pensou que "o Japão ia desaparecer debaixo de água". Para Tsuna, que tem dois filhos mas mora sozinha (diz que não quer ser um peso para os filhos) e está agora em um abrigo , a situação atual lembra os dias seguintes ao lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945. Tsuna era adolescente à época.
No Japão atual e particularmente na região atingida, predomina a população de idosos que pela própria condição física teriam tido mais dificuldades de fugir do tsunami.
Regra que parece não ter se aplicado a Tsuna que, com seus 83 anos, valeu-se da bicicleta para poder distanciar-se da onda gigantesca.
Seria a oportunidade , que um político logo poderia aproveitar, de colocar a bicicleta de Tsuna em um museu para que permanecesse como uma espécie de monumento à sua determinação e ao valor neste caso plenamente evidenciado desta magnífica máquina sobre duas rodas.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Bicicletas de Amsterdam ( III )

Para quem não tem uma idéia exata do que representa a presença das bicicletas em Amsterdam talvez possa entender melhor meu receio, receio de ciclista!, de uma ditadura sobre duas rodas, olhando este vídeo, aparentemente tão cândido e levemente humorado.
Eu fico , a um tempo, emocionado e assustado.
Se as bicicletas dominassem o mundo, o mundo ficaria melhor,concordo.
Mas haveria lugar para dissidentes?
Ou estes seriam eliminados não sem antes, em alguns casos, serem torturados para confessar supostas sedições ou por não aderirem, de forma cega e irrestrita, ao ciclismo?
Olho ao meu redor desconfiado... o totalitarismo e a Inquisição sobre duas rodas espreitam...

domingo, 30 de janeiro de 2011

Bicicletas de Amsterdam II

Susi Aissa, leitora de Ciclistas Anônimos, de São Paulo, enviou a foto acima a propósito de Bicicletas de Amsterdam.
Eu comentei: “um caos” e ela completou: "Pois é, um caos mesmo! Em muitos lugares, era preciso desviar para não tropeçar nas bicicletas caídas pelo chão..."
De alguma forma esta visão complementa a anterior em que o espaço das bicicletas que lutamos para que ganhe corpo, assume um lado que parece poder fugir do nosso controle.
Este pensamento pode não passar de um devaneio literário mas confesso que fiquei com uma sensação estranha uma boa parte da noite me imaginando a pular, até para não tropeçar , entre as bicicletas caídas e espalhadas pelo chão...
Teriam sido abandonadas pelos donos ?
Ou, possibilidade que me deixou ainda mais intranquilo, talvez sequer tivessem tido donos algum dia e surgidas ninguém sabe bem de onde, ficassem ali , pelo menos aparentemente sem outro destino, como corpos metálicos à espera de se deteriorarem até o desaparecimento...
(foto Susi Aissa)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ciclista de Campinas

Recebo do "ciclista anônimo" Klaus Bigelli ( Lalo), adepto de MTB e cicloturista eventual, uma mensagem que quero compartilhar com os demais ciclistas, especialmente os que nos acompanham. Klaus criou em Campinas a instalação que se vê na foto e se diz inspirado em Ciclistas Anônimos. Eis o que escreve:
Caro P.R.,
Quando disse que o blog Ciclistas Anônimos me inspirou, é a mais pura verdade, eu o acompanho e foi daí que tive a idéia de fazer algo para inserir a bike no cenário urbano (aliás, se não me engano, peguei esta frase no seu blog ou de alguem que comentou dele..kkk).
Campinas-SP, é uma cidade muito deficiente em ciclovias e ciclofaixas. A princípio estava reservando esta velha bike para fazer uma ghost bike em homenagem-protesto a um ciclista que morreu no transito ano passado. Contudo, ao nossa prefeitura tomar uma iniciativa tão interessante de criar 18 km de ciclofaixa com exclusividade aos ciclistas nos domingos e feriados, revolvi fazer algo mais positivo ; assim, pintei a bike e um capacete velho nas cores da ciclofaixa (vermelha), fiz um pequeno trabalho de jardinagem, e na véspera de sua inauguração a coloquei no trajeto da ciclofaixa, uma avenida muito movimentada, com a idéia de fazer com que os motoristas lembrem da existência da bicicleta e da ciclofaixa no cenário urbano. Fiz questão de pôr um capacete para lembrar aos ciclistas que também é importante que sigam as regras de trânsito.
Para minha felicidade, fêz um enorme sucesso. No domingo, dia da inauguração, vi famílias e grupos organizados de ciclistas tirando fotos e surpresa mesmo foi ver como destaque no maior site local de noticias, no site da emissora da Globo local e elogiada no site da própria prefeitura e da Emdec (empresa que controla o trânsito aqui).
Fiquei tão animado que estou planejando uma escultura homenageando ciclistas que frequentam um distrito rural da região
Acho que é isso.
Abraços, klaus (lalo)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Bicicletas de Amsterdam

Minha lembrança mais forte de Amsterdam não são apenas as bicicletas, mas também os canais. As bicicletas, no entanto, estão lá, por toda a parte, como se a cidade tivesse se tornado uma espécie de ponto internacional de convergência para elas. Dá a ímpressão de uma espécie de ocupação, preenchendo todos os espaços, aliás exíguos, da cidade. É preciso entender que isto tem a ver com o fato de que, na área central, a presença e a circulação de carros é bastante difícil. Na foto, ao fundo, uma rara presença destes veículos. As bicicletas, tirando proveito desta vantagem natural sobre seu maior adversário, reinam quase absolutas. Até os pedestres ficam um pouco em segundo plano. Lembro de ter despertado a ira de um ciclista pois devia estar circulando em uma área não recomendada. Praguejou qualquer coisa, possivelmente em holandês pois não entendi nada. Pelo jeito, devia ser algo do tipo: "sai da frente idiota" ou, "olha onde anda boca aberta!" Isto, é evidente, considerando que não fôsse nada mais ofensivo.
Mas os canais, entrecortados por pontezinhas, algumas das quais até elevadiças, é que mexeram mais com minha imaginação. Em alguns pontos barcos ancoram ao longo dos canais , como também se pode ver na foto e, em alguns casos, até se tornam moradias.
As bicicletas, no entanto, até por uma questão numérica, predominam.
Talvez por isto, na foto, parecem observar de forma tão ameaçadora os automóveis do outro lado do canal como se estivessem tomando a decisão de expulsá-los para fora dos limites da cidade que permaneceria, a partir deste momento, inteiramente destinada aos barcos e às bicicletas.
Amsterdam se tornaria assim a primeira cidade livre do mundo!
(foto:P.R.Baptista)