Quem more, mesmo brasileiro, fora do Rio de Janeiro, precisa de um tempo para começar a entender cenas como as que, ao longo dos anos ( e são muitos), vem se incorporando ao cotidiano da cidade.
Cenas, abertamente, de guerra urbana e que, de imediato, nos causam um misto de horror, de indignação mas também, de um certo modo, de impotência e de conformismo.
Sentados em frente ao televisor trocamos de canal quando as noticias começam a repetir-se.
E entremeados com os horários das novelas, os programas de humor ( de baixa qualidade por sinal) e as transmissões diretas de futebol, administramos os momentos reservados a presenciarmos cenas de um Brasil que é parte de nossa herança e um retrato de nossa fisionomia.
Um Brasil que não estamos tão dispostos, como queremos dar a impressão, que mude, pois isto exigiria a nossa própria transformação.
Além disto, não longe dali, na zona sul deste mesmo Rio de Janeiro, cariocas de classe média-alta e turistas estrangeiros, sob a vigilância de seguranças e policiais atentos, pegam uma praia ou pedalam com elegância na pista ao longo da orla.
Aliás, na fuga cinematográfica dos traficantes morro acima na invasão pela polícia da Vila Cruzeiro, vi homens que corriam a pé, outros que passavam velozmente pilotando motos ou camionetas.
Só não vi, presenciando aquela cena de debandada desordenada, ninguém fugindo de bicicleta.
O que me faz concuir que traficantes, talvez até por viverem nos morros, não são grandes adeptos do ciclismo.
(foto s;autor, ag. Reuters)
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
Dúvidas de Quem Pedala
Não sei se pedalo para escrever ou se escrevo para pedalar.
Esta dúvida, às vezes, me deixa meio confuso.
Que interesse, me pergunto, podem ter no que escrevo aqueles, creio que a maioria, cujo foco é objetivamente pedalar?
Mas, ao mesmo tempo, que interesse podem ter aqueles que sequer sabem andar de bicicleta?
Curiosamente, no entanto, entre estes últimos estão alguns dos que se sentem bem à vontade neste pedalar metafísico em que todas as trilhas estão abertas ao sonho e à imaginação.
Trilhas que, distante do burburinho e da hostilidade das ruas, nos levam por sendas rodeadas de bosques e margeadas de flores.
Sendas nas quais o ar que se respira é puro e nos impulsionamos apenas com a força de nossas pernas tomados de uma insuperável juventude na direção do último raio de luz do crespúsculo.
E ao chegarmos próximos, o mais próximos que podemos, com a sensação de que temos uma espécie de poder sobre nossas limitações, finalmente descemos da bicicleta e nos deitamos a cochilar ali mesmo, ao relento, espichados sobre a relva, à espera de que alguma coisa sobrenatural possa acontecer.
A menos que por algum motivo nos acordem, porque nosso sono será leve, talvez para pedir nosso auxílio para socorrer alguém que está em risco. Ou até, porque não conseguiremos nos afastar suficientemente dos perigos da cidade, para nos assaltar e nos roubar a bicicleta.
- A bicicleta ou a vida! talvez ainda nos ameacem.
Ao que, de pronto, sem hesitação, protegendo a bicicleta com nosso corpo, ofereceremos a vida.
(foto Anne Seltmann - Germany)
versão em francês >> Des Doutes de qui Pédale
versão em inglês >> Doubts of One Who Pedals
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