Rua XV, esquina com Sete de Setembro (Fotos: Coleção Rubens)
Entre as cenas do cotidiano que sempre me chamam a atenção uma bicicleta abandonada ou simplesmente estacionada em algum lugar é uma das preferidas e que mais, por conseqüência, tenho explorado. Ciclistas Anônimos , conjunto de crônicas sobre ciclistas e bicicletas, é, claramente, testemunho deste fascínio.
O registro fotográfico tem, então, o papel de ser o elo desta atenção.
No caso desta foto, por exemplo, de autoria de Rubens Amador Filho, editor de Os Amigos de Pelotas, sinto-me provocado por diferentes motivos os quais não são isolados mas, ao contrário, acabam se relacionando todos entre si.
Começo pelo mais difícil, pelo menos me parece, e ao qual, neste momento, vou me restringir..
Esqueço o tema mesmo sendo a bicicleta, central destas crônicas, e detenho-me na fotografia.
Comentar fotografia, tarefa à qual me dediquei durante dois anos mantendo uma coluna semanal no jornal Diário da Manha, intitulada Arte&Fotografia, apresenta alguns desafios. O primeiro é a necessidade de se ter um mínimo de conhecimentos teóricos, estéticos e históricos, que possibilitem inserir a obra dentro de um contexto razoavelmente coerente.
A fotografia, hoje uma forma de expressão que tem reservada dentro da Arte um espaço sempre instigante, move-se por caminhos próprios com particularidades nem sempre devidamente identificadas pelos apreciadores ou mesmo os críticos de arte.
Vou, portanto, me deter em apenas um ponto dentro deste contexto.
A fotografia na sua origem foi durante um bom tempo desqualificada como arte porque parecia, dentro da visão predominante até aquele momento, ser mais um produto da técnica, um resultado mecânico, do que da inspiração e da criatividade.
Parecia, assim, não ter outro futuro do que produzir registros visuais e documentais. Ou na melhor das hipóteses, como foi se tornando freqüente, ser uma técnica de apoio para a pintura e o desenho.
Com o advento de equipamentos cada vez mais acessíveis tanto à aquisição quanto ao manuseio e a crescente capacidade de produzir fotos em quantidade sempre maior, a fotografia poderia ter se extraviado pela banalidade e pela profusão.
Não é, no entanto, o que sucedeu. Verificou-se que dentro deste processo, por mais massificador que tenha se transformado, não deixaram de ser produzidas peças que só se podia incluir , a partir de critérios que foram se constituindo , na galeria das obras de arte mais requintadas e consagradas..
Só a título de exemplificar o que quero dizer cito, como autores hoje clássicos que me são mais familiares, Ansel Adams, Edward Weston, André Kertész, Man-Ray, Bresson e, claro, o nosso Sebastião Salgado. ,
Pois bem, voltando à foto, tenho constatado no autor uma familiaridade com a fotografia verificável pelo vivo interesse que demonstra, que lhe dá um background teórico, e pela forma como procura se valer deste interesse nas fotos que produz.
É nítido, em várias delas, o olhar fotográfico que se apresenta sempre que a foto, deixando de ser apenas um registro mecânico, torna-se também o registro de uma percepção e uma interpretação da cena que visualiza.
Neste momento a fotografia transcende o espaço que lhe destina o suporte, seja ele qual for, sai da “parede” ( talvez no momento de estar numa exposição) e ganha a nossa consciência e a nossa imaginação.
Vejo isto na fotografia de Rubens. A foto da bicicleta é uma instância deste processo. E não me detenho apenas nesta fotografia isoladamente, mas no conjunto que nos tem dado a conhecer.
Integrando a série “Retratos do nosso centro favelizado e 'perigoso' “, inclui-se a cena acima, em frente do Café Aquário, onde encontram-se as palmeiras tropicais uma das quais justamente serve para manter a bicicleta amarrada por uma corrente a caracterizar, na proposta, a insegurança, A circunstância, é importante para contextualizá-la e permitir, tanto aos que conhecem o local como aos que não conhecem, percorrer as múltiplas janelas que se abrem à interpretação que pode se deter em aspectos, entre outros, estéticos e sociais.
Trata-se de uma bicicleta que permanece costumeiramente no mesmo lugar. Mas foi apropriada pela fotografia, ganhando uma vida que não possuía, tornando-a visível e a retirando do anonimato.
Faço por fim uma observação.
Sem palavras , legenda que acompanha a foto, remete à idéia de que a fotografia se explica por si só e que quaisquer palavras seriam excessivas.
Prefiro não dizer que uma boa fotografia vale por mil palavras dispensando-as..
Boas fotos, opto por acreditar, são justamente as que mereçam mil palavras, e aqui ensaio algumas, e possam ser vistas sem cansaço .
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Talvez não saiba mas pode ser que tenhamos, em outros momentos, pedalado juntos. Pedalado em todos os terrenos que a bicicleta propicia entre eles os da criação e participação. Se chegou até aqui é quase certo que sim.Escreva seu comentário. Ele é parte fundamental deste processo.